RIO — Não existe história sem gente. Em Ipanema não poderia ser diferente. O bairro carrega em suas esquinas e areias pessoas e histórias que fazem parte da memória afetiva dos moradores e visitantes. Como falar de Ipanema sem mencionar, por exemplo, a Mulher de Branco? Anamaria Carvalho, hoje com 68 anos, ganhou fama quando passou a desfilar exclusivamente de branco pelas ruas do bairro.
Em um dia de sol na Rua Vinicius de Moraes, a jovem, então eleita musa da bossa nova e ex-mulher do compositor Marcos Valle, costumava caminhar imersa em seu universo. Essas e muitas histórias do passado, como a da amizade com o vizinho Tom Jobim, são hoje contadas pela andarilha num bate-papo sobre vida e fama carregado de lucidez e distante dos habituais monólogos que lhe deram fama:
— Eu passei por muitas experiências. Ainda bem, porque eu sou graduada na vida, não sou principiante. Em relação à fama, eu sou blasé, nunca corri atrás, nasci famosa — diverte-se.
Adda Di Guimarães, dona da banca de revistas A Cena Muda, que reúne peças de décadas passadas na Praça Nossa Senhora da Paz, guarda muitas memórias de uma Ipanema de outros tempos.
— Adoro o meu trabalho e vou continuar trabalhando com isso sempre — diz Adda.
Carlos Alberto Afonso, dono da lendária Toca do Vinícius, na Vinicius de Moraes 129, também tem muito a dizer sobre as décadas passadas, especialmente se tiverem entre os protagonistas o lendário Poetinha, uma das figuras mais famosas nas redondezas. A quem pergunta sobre como Afonso consegue manter a Toca vendendo discos e CDs, artigos pouco procurados na era digital, ele responde que o foco do espaço é educativo e cultural. Eventos são realizados na calçada, reunindo um público ávido por boa música.
Há ainda aquelas figuras que trabalham na praia e conquistam os clientes com simpatia e talento. É o caso de Milton Gonzalez, criador do famoso sanduíche do uruguaio. O vendedor, que ganhou a alcunha de Uruguaio, é grato por poder trabalhar na areia de Ipanema:
— A praia é um dos locais mais democráticos que existem. Eu adoro esse bairro, conheci muita gente da música, do futebol, intelectuais. É maravilhoso — elogia.
Professores também são lembrados por muitos. Alexandre Pretão, presidente do Favela Surf Clube e instrutor particular do esporte, já foi até personagem do livro “Arpoador, meu amor”, da jornalista Beth Ritto. Em um períodos de férias, ele chega a reunir 200 crianças das comunidades do entorno na praia. Lá, elas aprendem a surfar e se tornam campeãs na vida.
Já Beto Potyguara, professor de academia há 20 anos no bairro, conhece de perto a rotina de exercícios físicos de muitos moradores. Hoje na Bodytech, ele acompanha gerações de cariocas do charmoso bairro preocupadas com a saúde e a boa forma. O GLOBO-Zona Sul reuniu um pouco das histórias de cada um deles.
Milton Gonzalez
O clique de Milton Gonzalez em um momento de folga é raro. O Uruguaio é responsável por um dos quitutes mais famosos de Ipanema. Há 30 anos no Posto 9, o “sanduíche do Uruguaio” é só sucesso. Entres os recheios figuram deliciosas carnes e um molho especial. Gonzalez, que veio para o Brasil após enfrentar uma ditadura em seu país, fez de Ipanema o reduto para seu talento.
— Sou um “urioca”. Uma mistura de uruguaio com carioca — brinca o vendedor.
Adda Di Guimarães
Nem tudo o que está exposto é artigo à venda: esta é uma das regras básicas para quem se encanta com os objetos da banca A Cena Muda, na Praça Nossa Senhora da Paz. Os brinquedos da vitrine externa e uma estante de caixas de modelos variados vivem recebendo ofertas de dinheiro, mas só mesmo as revistas antigas e os discos estão disponíveis para compra.
— Eu compro tudo o que eu acho interessante, porque sei que tem coisa que nunca mais vou ver — conta Adda, que tem clientes ilustres como Evandro Teixeira e Luís Fernando Verissimo.
BETO POTYGUARA
Figura famosa quando o assunto é ginástica na Zona Sul, o professor Beto Potyguara, de 54 anos, já dedica mais de 20 dos seus 32 anos de atividade profissional às academias de Ipanema.
— Tenho filhas de ex-alunos que fazem aula comigo hoje. Às vezes chegam mãe e filha juntas numa aula. É o maior bar ato — vibra Potyguara, que bate ponto nas unidades da Bodytech das ruas Visconde de Pirajá e Barão da Torre, todos os dias.
Carlos Albeto Afonso
Quase todo fim de tarde é a mesma coisa: crianças da vizinhança entram aos pulos na Toca do Vinícius, na Vinicius de Moraes, para dar um beijo em Carlos Alberto Afonso, o dono, que desde 1993 cuida do estabelecimento conhecido pelos amantes da bossa nova. O espaço é mais do que uma loja de CDs e discos antigos, diz ele: é um espaço cultural que mistura livraria, museu e sala de aula.
— Aqui, a atividade comercial não é o fim. Não seria viável. Meu objetivo é político, social e cultural — diz Afonso.
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