“Costumes” | Entrevista Daniel Lannes

Com a exposição Costumes, Daniel Lannes, o processo criativo do conjunto que mostramos aqui, assim como o do grupo de trabalhos anterior, é fundamentado na criação de pinturas com intenso apreço formal e que apresentam cenas insólitas que narram perversões a normatividades. Se antes, a referência formal erao pintor Albert Eckhout, agora as manchas de cor de John Singer Sargent e Edouard Manet foram base para o desenvolvimento da série. Ao interesse constante pela figura humana, somaram-se o olhar e a prática construtiva da abstração.

Com um posicionamento que se aproxima ao do cronista, Lannes utiliza estratégias de humor para falar da relação entre imagem e cultura: mais especificamente, trata da relação entre a produção cultural de imagens e a estrutura social dos gêneros, do prazer, e da família.

Dessa vez, Lannes se dedicou a uma pesquisa obsessiva sobre o vestuário e a indumentária feminina desenhada, produzida e utilizada entre o século XVIII e o começo do século XX. Nesse processo, voltou maior parte de sua investigação para livros de costura e referência estilística desse período. Algumas imagens lhe despertaram mais o interesse, e a razão pra isso, em geral, era a maneira peculiar pela qual a figura feminina era representada e, muitas vezes, por como esses croquis evidenciavam dados importantes da cultura, especialmente no que tangencia a divisão social entre os gêneros.

Nessas imagens, as mulheres são absolutamente objetificadas apresentando gestos, poses e roupas deformantes que reverberam um desejo de alienação da subjetividade.Para assinalar isso, Daniel convidou homens (talvez seja importante dizer que quase todos heterossexuais e quase todos com comportamento entendido como masculino) para terem seus rostos retratados em pinturas que os apresentam vestindo as roupas e apresentando os gestos dos tais livros e revistas de croquis de costura. O humor gerado por ver um homem vestido de mulher deve nos fazer refletir sobre o que seriacaracterístico a esse papel de mulher que poderia tornar tão hilário um homem nesse lugar.

Travestismo Fetichista é uma classificação na Psicologia para fetiches sexuais e parafilias em que o individuo dirige seu impulso sexual para um objeto, utilizando pelo menos uma peça de roupa do gênero oposto com intensão de trazer para si algum símbolo característico do outro gênero para viver, durante a atuação ritual, alguma situação de determinada maneira que lhe gere prazer narcísico e excitação sexual. Não deve ser confundido com disforia de gênero nem com cross-dressing. Uma característica importante à dinâmica do travestismo fetichista de um individuo do sexo masculino com peças de roupa feminina é exatamente a vontade de objetificação desse individuo e do subsequente apagamento do sujeito travestido. Parte do humor ao ver um homem vestido de mulher é pelo ridículo de alguém que ostenta a perda do poder.

Com o mesmo posicionamento, Daniel produziu, ainda, uma serie de trabalhos em que aponta criticamente pra características da estrutura familiar e em que prossegue sua pesquisa sobre desejo. Criando cenas plenas em crueza e crueldade, Lannes afirma, ao retomar e avançar com a pesquisa de 2007, que há como construir um trabalho sério, também, por estratégias de humor.

Bernardo Mosqueira

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