Os pavilhões do Riocentro, na Barra da Tijuca, receberam público recorde às vésperas do encerramento da XIX Bienal do Livro Rio. Neste sábado, o maior festival literário do país tratou de assuntos relevantes e atuais, como democracia, empoderamento, literatura negra, cinema, luto e literatura arco-íris. Neste domingo, a organização espera novamente um grande público. Além das atividades para as crianças em um pavilhão inteiro dedicado aos pequenos leitores, haverá discussões sobre ciências, corrupção, teatro, música, maternidade, privacidade e narrativas de mistério e terror.
Em uma das mesas mais aguardadas do sábado, o cientista político americano e professor de Harvard Steven Levitsky, autor do best-seller Como as democracias morrem, e antropóloga Lilia Shwarcz, que acaba de lançar Sobre o autoritarismo brasileiro, tiveram falas contundentes sobre a fiscalização da Prefeitura para recolher o HQ Cruzada das Crianças, da Marvel, que dois jovens do mesmo sexo aparecem se beijando.
Lilia abriu a conversa dizendo: “É um prazer estar aqui depois de um dia como ontem, quando tivemos um exemplo de como os governantes podem ser autoritários”. O convidado americano manteve o mesmo tom. “Primeiro é preciso falar em termos fortes no que aconteceu ontem aqui com a tentativa de censura de Crivella. Já participei de eventos literários em todo o mundo e nunca vi nada parecido com o que aconteceu ontem aqui. É assim que as democracias morrem. Gostaria de aplaudir vocês que lutaram contra isso”, elogiou.
Na Arena #SemFiltro, mais de 400 pessoas passaram por ela para conferir a “Literatura Arco-íris”, um bate papo formado por jovens e ativistas da democracia e da diversidade. Mediados pelo ator e roteirista Felipe Cabral, seis escritores conversaram com um público ávido por descobrir o que os inspira na arte da escrita e suas estratégias na defesa da pluralidade cultural e sexual neste momento social. Autor de “Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente”, Igor Pires esclareceu que começou a escrever para acalmar o coração. “Eu usei a literatura como um meio de sobrevivência, mas hoje eu vejo a escrita como um lugar de resistência”, definiu.
Thati Machado, de “Poder Extra G”, contou que tinha uma sensação de não pertencimento. “Eu não via as gordas homossexuais na literatura, não via as pessoas que, como eu, sentiam-se diferentes. Então eu senti que precisaria mudar o que estava posto. E acabou acontecendo como um processo natural, porque vi na internet um caminho para fazer isso”, destacou.
Sobre Machado de Assis e a literatura negra, no ano que marca o 180º aniversário de nascimento do Bruxo do Cosme Velho, durante duas horas os convidados trouxeram ao debate sua vida e obra, questionando antigas crenças em relação ao autor, como sua identidade racial, cada vez mais reivindicada pelo movimento negro na campanha “Machado de Assis Real” da Universidade Zumbi dos Palmares (SP), e o mito de sua passividade em relação à elite branca da época. Participaram desta mesa a multipremiada e consagrada Conceição Evaristo e o professor doutor Eduardo de Assis Duarte, coordenador do grupo de pesquisa Afrodescendências na Literatura Brasileira e do portal Literafro; além do recém-revelado autor José de Almeida Jr., finalista do Jabuti 2018 com o romance “Última hora”.
Aguardadíssima, Conceição Evaristo iniciou sua fala abordando o incômodo que os negros letrados causavam aos brancos: “Vou usar o termo mulato, mas para vocês entenderem como era na época. O sujeito mulato sempre causava incômodo aos brancos, pois tinha mais possibilidade de ascensão. Um dos estereótipos era esse: o mulato articulado queria imitar o branco – principalmente na linguagem, sendo ‘pernóstico’. A facilidade de lidar com a língua incomodava”, explicou. Para a vencedora do Prêmio Jabuti de 2015, a disputa pela identidade racial de Machado não diz respeito somente a ele: “Não se trata de reivindicar só a negritude do Machado. Trazer esses grandes nomes para nossa identidade é mostrar que o negro tem uma função intelectual, não só o branco”, analisou.
Para os jovens, em um bate-papo descontraído para um auditório lotado, os escritores Carina Rissi, Lucão e Patrícia Barbosa falaram dos desafios de escrever para esse público. Na Arena #SemFiltro, os autores falaram sobre algumas de suas publicações, sobre o processo de criação de histórias e personagens e deram conselhos àqueles que sonham ser escritores, entre outros temas.
Neste domingo, o Pavilhão das Artes já estava movimentado mesmo antes de o festival começar. Muitos visitantes com malas – para aproveitar os saldões – e famílias inteiras aguardavam a abertura dos portões. A psicóloga Lidiane Rodrigues Machado, de 36 anos, e sua sobrinha Paula Eduarda, 17, vieram de Goiás só para participar da Bienal. Imersas nessa experiência cultural única, cheia de novidades literárias e programação para todos os públicos, as duas, que vestem roupas e sapatos confortáveis e com duas malas vazias têm um único objetivo: “Chegamos cedo em busca de promoções. Queremos sair daqui e desembarcar na nossa cidade com as malas cheias de livros”, contou Lidiane.
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