Escritores dão dicas de bons lugares para ler no Rio

Fausto Fawcett, no Aterro do Flamengo: “O que interessa é um visual de longo alcance fornecendo contraponto generoso para o transe de leitura” - Guito Moreto / Agência O Globo

Por Pedro Sprejer

Fausto Fawcett, no Aterro do Flamengo: “O que interessa é um visual de longo alcance fornecendo contraponto generoso para o transe de leitura” - Guito Moreto / Agência O Globo
Fausto Fawcett, no Aterro do Flamengo: “O que interessa é um visual de longo alcance fornecendo contraponto generoso para o transe de leitura” – Guito Moreto / Agência O Globo

RIO – O “bom lugar para ler um livro”, cantado por Djavan na música “Nem um dia”, existe como espaço concreto e se encontra em algum ponto da Região Serrana cuja localização exata o compositor guarda em segredo. Lá, em seu sítio, há um belo orquidário, cultivado com esmero há muitos anos, onde Djavan costuma se dedicar à leitura durante os fins de semana.

— Escrevi estes versos lá no sítio. Era um dia muito frio e eu estava ali, em meio à natureza, num momento de grande introspecção. O frio me traz essa vontade de ler — conta Djavan, amante dos versos de Drummond, Adélia Prado e Neruda. — Embora eu ache que para quem aprecia livros, todo clima e lugar são válidos.

O inverno carioca, quando o sol oferece uma trégua, é uma boa época para os que procuram bons lugares para ler na cidade. Podem ser as sombras das árvores do Jardim Botânico, os bancos sob as pérgulas da Casa de Rui Barbosa ou locais menos conhecidos, como a Praça do Patriarca, em Madureira. Para saber mais, perguntamos a alguns escritores da cidade quais os seus locais favoritos para ler.

Quando Fausto Fawcett se entusiasma com uma leitura, ele a carrega pra qualquer lugar — “cafeteria, bar, praia, lanchonete, ambiente quieto ou barulhento”. Para ler ao ar livre em dias amenos, sugere pontos com visões panorâmicas da cidade, como o Forte de Copacabana, o Museu de Arte Moderna e o monumento a Estácio de Sá, no Aterro do Flamengo:

— Ou qualquer terraço ou ponto com antena pra captação celular na Zona Norte, Oeste, Sul ou central. O que interessa é um visual de longo alcance fornecendo contraponto generoso para o transe da leitura.

Raphael Montes, na Pedra do Leme: ele acha que ler ao ar livre muda a percepção sobre o texto – Bárbara Lopes / Agência O Globo

Incensado recentemente pela imprensa portuguesa como revelação do suspense brasileiro, Raphael Montes, colunista do Segundo Caderno do GLOBO, gosta de visitar paisagens solares para ler. Leitor-ciclista, é fiel a dois pontos estratégicos da ciclovia da orla. Pode ser encontrado tanto num quiosque na Avenida Niemeyer, quanto na mureta da Pedra do Leme.

— Ler ao ar livre, suscetível aos sons, cheiros e cores da cidade, traz outra percepção ao texto. Romances mais leves e ágeis combinam com esse clima.

Já o escritor e organizador da Festa Literária das Periferias (Flupp) Julio Ludemir poderia se contentar com a vista 180 graus do mar que tem da laje de sua casa, no Morro da Babilônia. Locais muito tranquilos, porém, não o inspiram tanto quanto o trânsito voraz das grandes vias. É dentro de coletivos que Ludemir penetra na obra de jovens autores da cidade:

— Sou leitor do caos. O livro não apenas me leva para outro lugar mental. Vou tão longe que preciso de deslocamentos físicos para decupar, por exemplo, a Rocinha que Raquel Oliveira transpôs para o romance que acabou de escrever.

O trem que cruza o subúrbio é a biblioteca de Mariel Reis. É ali que o escritor costuma observar a paisagem, os tipos e, sobretudo, ler no trajeto que faz para o Centro diariamente. Mariel também percorre ruas e bairros retratados por autores como Machado de Assis ou Lima Barreto.

Mariel Reis, na Central do Brasil: ele observa a paisagem e os tipos enquanto lê no trem – Bárbara Lopes / Agência O Globo

Nas andanças, antigos estabelecimentos, como o Bar da Portuguesa, em Olaria, e praças como a do Patriarca, em Madureira; a do Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes; podem ser seus refúgios em dias mais temperados.

— Nos subúrbios não existem cafés, infelizmente. Os bares são mais abundantes e em muitos deles não há espaços para mesas — pontua Mariel. — O inverno no Rio não consegue impedir a vocação ígnea da cidade: sempre em chamas.

Amante das leituras no gramado do Parque Guinle, o escritor e artista plástico Leonardo Villa-Forte fez da relação entre a rua e a leitura um dos focos de seu trabalho. Ele é idealizador do projeto Paginário, que instala, em muros da cidade, painéis com textos selecionados por uma série de leitores. O último deles acaba de ser inaugurado na favela da Maré.

— Na maioria das vezes, a oferta da rua é de texto publicitário, informacional ou de imagens. Uma das motivações do Paginário é levar um outro tipo de leitura para a rua, já que são leitores que escolhem e marcam as páginas — conta o autor, que participará da Flip deste ano e lança em julho um conto cujo protagonista lê telas com notícias no ônibus e anota no celular.

E quem disse que praia e leitura não combinam? Com o sol mais tímido e as areias vazias, o local que melhor simboliza o hedonismo solar carioca também se torna um bom cenário. É lá que a escritora Tatiana Salem Levy costuma aproveitar essa época do ano:

— Gosto de levar uma cadeirinha e ler na praia, que fica bem mais vazia, não há tantos vendedores berrando. Depois da minha casa, a praia é meu lugar preferido, mas no verão é impossível. Portanto, aproveito o inverno carioca.

Ficam as dicas para os que ainda não inventaram seus orquidários particulares de leitura na selva carioca.

Fonte http://oglobo.globo.com/rio/um-dia-frio-um-bom-lugar-16569548#ixzz3eNXsmLzY

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