Estabelecimentos em Ipanema perpetuam legado da bossa nova, que completa 60 anos

Manuel Capão, dono do Garota de Ipanema há 43 anos, acha que a bossa nova continuará a trazer novos visitantes - Brenno Carvalho / Agência O Globo Leia mais: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/estabelecimentos-em-ipanema-perpetuam-legado-da-bossa-nova-que-completa-60-anos-22627576#ixzz5DsefFAea stest
Manuel Capão, dono do Garota de Ipanema há 43 anos, acha que a bossa nova continuará a trazer novos visitantes - Brenno Carvalho / Agência O Globo

O GLOBO – Levando em conta o primeiro registro da bossa nova — o single de “Chega de saudade”, de João Gilberto, produzido por Tom Jobim, em 1958 —, o gênero musical completa 60 anos em julho. Em Ipanema, considerado berço do gênero, seis décadas depois, ainda há três lugares que fazem da bossa nova sua principal razão de existir nesse ilustre ponto da Zona Sul. A casa de música Vinicius Show Bar, o bar Garota de Ipanema e a livraria Toca do Vinicius, cada um à sua maneira, estão dispostos a continuar com suas atividades, em meio ao sucesso ou às dificuldades comerciais.

Carlos Alberto Afonso, dono e fundador da Toca do Vinicius, diz que, se fosse de fato um comerciante, jamais cometeria o erro de abrir a loja. Segundo ele, o ponto nunca lhe deu grandes rendimentos. Aberta em 1993, na rua do artista que inspirou seu nome, Vinicius de Moraes, a livraria especializada em música comemora 25 anos em setembro. Embora reúna toda sorte de registros e criações de profissionais ligados à bossa nova, tendo, por sua vez, acumulado muita história e reconhecimento público, em todo esse tempo a Toca jamais garantiu seu sustento.

Afonso, que nunca abriu o espaço com a intenção de fazer caixa, diz que, se dependesse das vendas de livros, discos e CDs, entre outros itens por ali comercializados, não conseguiria bancar o aluguel do imóvel, pago com parte das aposentadorias recebidas por ele e pela mulher — como tem sido ao longo desses anos, afirma. Seu negócio é outro. Para Afonso, a Toca do Vinicius é uma instituição de viés educacional, que toma a bossa nova — sua paixão desde garoto — como gancho para despertar a vocação de potenciais músicos. No local são realizados encontros musicais desde sua fundação, na parte de fora da livraria. E são esses eventos, segundo Afonso, que estabelecem o contato necessário entre a música e a sociedade para sensibilizar as pessoas que podem levar jeito para a música, mas ainda não perceberam seu talento.

— Trabalho com bossa nova porque ela tem uma universalidade que facilita esse “touché” no músico em potencial. Mas, 60 anos depois, ela continua sendo pouco popular, como sempre foi. Isso ocorre porque a bossa está nos arranjos e não na canção, mas o mercado quer fazer crer o contrário. Não que a canção não seja boa de admirar, mas não é o que mais importa. Somente um pequeno segmento tem noção disso, o que a faz ser procurada por poucos — explica o proprietário, acrescentando que o dinheiro das vendas é revertido para a manutenção dos encontros musicais.

UMA LENDA IMUNE AO TEMPO

No quarteirão seguinte ao da Toca, mas ainda na mesma calçada, o bar Garota de Ipanema vive uma realidade oposta à livraria de Afonso. O estabelecimento também gira em torno da bossa nova, mas costuma ser bastante frequentado por cariocas e turistas. O motivo de tamanha procura é conhecido: Tom Jobim e Vinicius de Moraes, expoentes do gênero, teriam composto ali a canção “Garota de Ipanema”, uma das mais tocadas e regravadas da história. Manuel Peralta Capão, atual proprietário da casa, não chegou a presenciar o feito (ele assumiu em 1975, 13 anos depois da composição, em 1962), mas lembra que ela ainda é a razão de muita gente visitar o ponto:

— Não posso confirmar nada, mas ouço as pessoas dizerem que a canção foi escrita aqui. Na época em que comprei o restaurante, não tive muitas visitas de Vinicius, mas o Tom aparecia quase todo dia — lembra o proprietário, que recorda outros frequentadores da ilustre roda musical de então, como Orlandivo e Baden Powell. — Esse grupo não era de tocar em assuntos convencionais. Se a mídia estivesse repercutindo algum acontecimento importante, eles jamais o estariam discutindo. Conversavam sobre coisas diferentes.

A respeito das características do restaurante que mais atraem fregueses, Capão afirma que nada supera o painel que reproduz a partitura de “Garota de Ipanema”, preso em uma das paredes — a original, diz a lenda, teria sido rabiscada num guardanapo. Por ser grande, acaba servindo de fundo para muitas fotos, de gente que fica para o almoço ou jantar e de gente que não compra nada demais, só uma água, apenas para ter a oportunidade de fazer um retrato ao pé do desenho e se retirar em poucos minutos.

— Este lugar sempre foi inflamado, desde que cheguei aqui. As pessoas o procuram pela divulgação que ainda se faz dele, como um reduto da bossa nova, e a casa cheia acaba atraindo novas publicações. É um círculo que se alimenta. Enquanto mantiver sua proposta de cardápio simples e bom atendimento, juntando isso à reputação da casa, o Garota de Ipanema sempre será uma referência — aposta Capão, sentindo-se privilegiado por trabalhar, como costuma dizer, numa esquina “cheia de moral”, uma alusão ao cruzamento das ruas Vinicius de Moraes e Prudente de Morais, onde fica o restaurante.

De frente para o Garota está o Vinicius Bar, outro negócio do qual Capão é sócio. A casa de música se dedica há mais de 30 anos às canções características da batida brasileira de violão, mas se encontra em stand-by no momento — sem a menor pretensão de abandonar a bossa nova, diga-se de passagem. O point fechou para obras no fim de maio do ano passado e reabre em junho, segundo a previsão do proprietário.

Dos 80 lugares que mantinha, passará a ter 150, no térreo, ampliando também a oferta musical com outras atrações ligadas à MPB. Sobrará espaço, ainda, para um restaurante no segundo andar, com 160 lugares. Na opinião do dono, a reabertura reforçará ainda mais a posição da bossa nova como patrimônio de Ipanema.

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