Morador de rua explica por que escolheu Ipanema: ‘tem ótimos livros no lixo daqui’

Entre os poucos pertences de André Vieira, de 38 anos, há um exemplar de “É fácil matar”, uma das histórias de Agatha Christie. Ele nunca havia ouvido falar da escritora, famosa pelos romances policiais, mas tem se entretido com a história. André lê em sua cama improvisada na Praça General Osório, em Ipanema, Zona Sul do Rio, e encontrou o exemplar no lixo.

Foto: Extra/Globo
Foto: Extra/Globo

Ele é um dos moradores de rua que vivem no bairro e que, se depender de uma campanha no Facebook, não receberá mais ajuda de ninguém. Uma página na rede social estimula que moradores do bairro criem constrangimento a quem decida dar esmola a pessoas em situação de rua. O texto argumenta que essa população não nasceu no bairro e que só volta para Ipanema porque há pessoas que dão esmola e comida.

“Pessoal, a Superintedência da Zona Sul e a Guarda Municipal do Rio de Janeiro têm retirado estas pessoas e encaminhado a abrigos, mas vocês percebem que eles sempre voltam? Não vão para Santa Cruz, nem para Nova Iguaçu, Campo Grande, eles vem para Ipanema. Por que será? Nascer aqui eles não nasceram. Vem porque tem algo de bom. Esse algo de bom são as pessoas que dão esmola e comida”, argumenta a página Alerta Ipanema.

A proposta do texto, portanto, é fazer com que quem estiver ajudando um morador de rua seja constrangido com a “gritaria” até que pare de ajudar.

“Eu já faço, mas precido da ajuda de vocês. Quando virem alguém dando comida ou esmola, chamem atenção, façam gritaria, mostrem a todos que estiverem passando, que aquela pessoa tá contribuindo pra que tenhamos mais mendigos nas ruas do bairro. Só assim ficam constrangidos e param”, diz o texto.

Na imagem do post, um homem negro segura uma placa dizendo que o dinheiro de quem dá esmola o mantém na rua o dia inteiro.

— O lixo de Ipanema é ótimo para livros — comenta André, que não se assusta com a polêmica — Eu entendo quem não quer dar dinheiro para morador de rua. É verdade que nem todo mundo usa bem o dinheiro. Mas dar comida eu não vejo problema.

André trabalha montando barracas de praia. No verão, consegue R$ 40 por dia. No inverno, paga o almoço — o que já é uma vitória. Ele nasceu em Niterói e, há sete anos, foi viver sob marquises após se viciar em crack. Largou a droga quando percebeu que havia perdido casa, mãe e os cinco filhos, mas não voltou para a família. Por orgulho, diz. Quer primeiro se estabilizar num emprego (está tirando os documentos e buscando oportunidade) para depois retornar.

— Aqui em Ipanema é menos perigoso do que em outras partes da cidade. Só às vezes que a gente sofre com preconceito e com covardia. O problema é quando os playboys bebem e querem bater na gente — conta.

Na rua, André construiu família. Tem mulher (que conheceu quando viveu pelas marquises do Centro) e agora cuida de um cachorro, filhote de pitbull que foi abandonado na General Osório. Um menino, também morador de rua, chama André de pai.

— Eu cuido dele às vezes e ele fala isso por aí — explica.

Depois da repercussão negativa do post, o moderador da página Alerta Ipanema decidiu apagar a postagem. A polêmica, no entanto, se espalhou por Ipanema.

— A gente fica numa situação complicada. Tem cada vez mais gente debaixo da marquise. Tem quem precise mesmo, dá para ver isso. Mas tem gente que não quer nada e fica pedindo — pondera o morador Marcos Vinícius dos Santos — Quando eu vejo criança, não dá para não ajudar. Mesmo sabendo que, às vezes, são as mães que botam eles para trabalharem pedindo dinheiro.

Reportagem do Extra/OGlobo

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