Foto do primeiro topless (1972) e texto de Frederico Mendes:
Esta foto mudou a minha vida.
Bem, não exatamente “esta” foto, mas esta estória, este dia naquele janeiro de 1972.
Depois deste final de tarde tudo ficou diferente. Tudo mesmo.
No Rio de Janeiro vivíamos em um pleno “verão do amor”. Tal qual o californiano ano de 1966, quando o movimento hippie a se espalhar pelo país (EUA), pelo mundo afora.
Caetano e Gil tinham acabado de voltar do forçado exílio londrino, Gal cantava Fa-tal de sarongue todas as noites no teatro Opinião. E eles e outros famosos frequentavam conosco, jovens anônimos, a praia da moda: o Píer de Ipanema. O pier era um emissário submarino que a prefeitura construía para levar o esgoto da cidade até o alto-mar.
As areias recolhidas pelos tratores formavam dunas, apelidadas de Dunas da Gal, onde moçada ficava numa boa. Eu preferia chamar de “Vapor Barato”, nome de uma música que ela cantava, já que de cima das dunas víamos o mar, curtindo o maior “barato”, como que de um convés de navio, e de preferencia deixando o país, deixando para trás toda aquela tirania.
Era a época do “Brasil ame-o ou deixe-o”, lema ufanista dos militares.
A ditadura do general Garrastazu Médici (chamávamos de carrasco azul) estava no auge, Pessoas eram mortas e torturadas nos porões da repressão e os antigos estudantes, manifestantes e “subversivos” – que antes tentaram inutilmente mudar o regime -, iam se dourar ao sol como lagartos indolentes e baianos.
Era o chamado “desbunde”, os dias eram longos e lindos e Ipanema era sempre uma festa! Tudo acabava na praia.
Foi nesta época que algum poeta “doidão” ou gaiato começou a onda de aplaudir o pôr-do-sol. Modismo que ainda dura até o hoje. O pôr-do-sol de Ipanema é o mais bonito do mundo, mas naquela época quase sempre ficava meio encoberto pelas nuvens de “fumaça” que emanavam das praias e das “bocas”.
Tinha dado a louca no nosso pequeno mundinho e ni nosso lindo balneário.
O movimento hippie estava em total decadência no “resto do planeta”, mas no Brasil era mais efervescente do que Sonrisal, Alka-Seltzer ou sal de frutas Eno.
Eu, por outro lado, estava ficando um cara mais sério.
Tinha conseguido um estágio não remunerado na Bloch Editores, que publicava a revista Manchete, sonho de todo aspirante a fotógrafo. Alguns dos melhores do Brasil trabalhavam lá: Walter Firmo, Claus Meyer, Sebastião Barbosa, Gervásio Batista e tantos outros medalhões. E comandados por Justino Martins, jornalista brilhante.
Até então, eu era da equipe do decadente Diários Associados, antigo império de comunicações fundado por Assis Chateubriand. Com a sua morte, seus herdeiros estavam destruindo tudo o que o “velho capitão” havia criado.
Na Bloch, tive a sorte de ser escalado para a revista Pais & Filhos, que era editada porJosé Itamar de Freitas (que dois anos depois criou a fórmula do Fantástico, da Globo) e por Leonel Kaz (um dos melhores homens e secretários de cultura deste país).
Põe sorte nisto!
Na Manchete, que tinha uma impressão excelente, os fotógrafos eram obrigados a trabalhar com as fantásticas, porém pesadas e lentas, Hasselblads porque o cromo quadrado de seis centímetros (6X6) era o ideal para ser ampliado até o formato da revista.
Na Pais&Filhos, menos visada, eu podia usar a minha Nikon, 35 milímetros, leve, ágil e com 36 chapas (fotos) por película. A Hasselblad só permitia 12 chapas, o que era um porre, pois tínhamos que trocar o filme toda hora.
Na minha primeira sexta-feira na revista, me escalaram para fazer um ensaio de verão, no fim de semana, sobre crianças brincando nas areias da praia. E lá fui eu para o “Pier” de Ipanema com uma Nikon, uma pesada tele de 300mm, outras lentes e dois rolos de filmes coloridos. Mas como sempre, levei um filme Plus_X preto-e-branco, na mala.
Fotografei durante a toda a manhã de sábado até as crianças irem embora por causa do calor. Naquela época o único perigo real era insolação ou queimaduras de sol. Ainda não havia o câncer de pele tão letal, que nem hoje – o buraco na camada de ozônio ainda era mais embaixo…. ou muito pequeno.
Bem, acabei de fotografar as criancinhas e fui curtir a praia com todos os meus amigos que lá estavam.
Algumas duas horas depois vi uma menina linda, mais linda mesmo, com flores na cabeça, que passava para lá e para cá sem a parte de cima do biquíni. E o que era mais interessante: ninguém olhava pros “peitos” da moça!
Talvez os rapazes estivessem muito “chapados” para notar algo. E olha que era a primeira vez que alguém mostrava os seios em uma praia pública, de dia, e lotada de gente, aqui no Patropi.
Coloquei a teleobjetiva na Nikon e, de longe, a fotografei passando por entre as pessoas. Ninguém prestava a mínima atenção. Ninguém mesmo.
Quando já tinha garantido umas dez chapas, troquei de lente, coloquei uma grande-angular e cheguei bem perto dela para fazer fotos de uma outra perspectiva.
Aí a praia virou a maior bagunça! Todo mundo começou a jogar areia em cima, aquela “zona” mesmo, mas só por sarro! E no meio daquela confusão uma outra moça também tirou o sutiã, em solidariedade à amiga.
O qüiproquó no circo, nas areias da arena, estava armado. E logo ela teve que colocar a blusa e sair da praia. Foi então que fiz a foto acima.
A notícia deste tal de “topless” se espalhou pela cidade e no dia seguinte, domingo, todos os grandes jornais e televisões mandaram equipes para o Píer de Ipanema para cobrir “as meninas cariocas de peitinho de fora”.
Mas nenhuma moça, nenhuma mesmo, resolveu se expor. E eles voltaram sem matéria para as redações.
Na segunda-feira mostrei as fotos para Samuel Wainer e Milton Temer, dois grandes jornalistas que editavam a revista Domingo Ilustrado, do mesmo grupo da Bloch. Eles adoraram e me deram a capa e mais três páginas.
Então, no mesmo dia, Justino, editor da Manchete, pediu para que escrevesse um texto para a sua revista.
Escrevi um texto sério falando que “seio não era mais atentado ao pudor” e contando a luta universal das mulheres para ter finalmente o direito de andar livremente, desde as famosas e antigas guerreiras amazonas. Justino achou que estava sociológico demais e mandou um redator dar uma apimentada no texto. Seriedade não vendia revistas.
Na quarta-feira de tarde, algumas horas depois da revista com as minhas fotos ter ido para as bancas, a redação da Manchete foi invadida por dois militares fardados que acusavam duramente Justino Martins de ter contratado mulheres para fazer aquele papel tão contrário à moral da família brasileira. Eram dias e tempos de censura.
E queriam porque queriam ter uma conversa com aquele “fotógrafozinho” que tinha feito aquela pouca vergonhice, inclusive “contratando prostitutas para fazer tal papelão, manchando assim a reputação da mulher brasileira”.
Sorte minha que estava fazendo uma outra matéria em um subúrbio e só apareci na redação dois dias depois. E a revista me escondeu dos milicos. Mas os mais velhos começaram a prestar atenção naquele garoto estagiário.
Depois desse incidente, fui logo contratado pela Manchete e começaram a me dar matérias e viagens interessantes para fazer. Até culminar com a minha ida para Nova York como correspondente da revista.
Mas isto já é outra estória.
Foto e texto de Frederico Mendes
Nikon F, 24mm. Plus-X.
Cópia fotografada com uma Canon EOS 10D.
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The first topless in Ipanema, the first on a public beach in Brazil, January 1972.
The “summer of love”, an island of happiness and alienation during the terrible military ditactorship that killed and tortured so many young students.
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