Blocos de carnaval invadem arraiais de São João e levam samba às quadrilhas
Não é de hoje que o carnaval de rua do Rio não se contenta mais em ser só carnaval. De janeiro a janeiro, diversos blocos, principalmente os grandes — e eles são cada vez mais e maiores —, fazem shows pela cidade. E nem mesmo junho e julho, meses das tradicionais festas juninas, escapam da carnavalização: em diversos arraiais, vai ser o samba que animará as quadrilhas. Na última sexta-feira, Amigos da Onça e Forró do Kiko, que conta com integrantes do Cordão do Boitatá, fizeram festa no Circo Voador. No próximo sábado, o Monobloco entra no ritmo do baião, no Jockey, e o novato Tome Conta de Mim realiza seu ‘carnavá’, gratuito, na Praça Marechal Âncora, no Centro. Na agenda, ainda tem mais. No dia 25, é a vez de o Gigantes da Lira bagunçar o coreto do Circo. E tem bloco entrando duas vezes na fila: o Carrossel de Emoções, por exemplo, faz eventos juninos no dia 30, no Lapa 40º, e em 7 de julho, no Retiro dos Artistas. Até a tradicional Feira de São Cristóvão, reduto do São João de raiz, abre as portas para a novidade, com o bloco Fogo e Paixão, em 28 de julho, para um “bregarraiá”.
— Poucos blocos têm a oportunidade de trabalhar o ano todo, essa é uma forma de manter uma agenda além do carnaval. As festas temáticas tendem a atrair as pessoas — conta Fernando Guina, um dos fundadores do Carrossel de Emoções, que, no último carnaval, levou mais de 50 mil pessoas para as ruas da Barra da Tijuca.
Este ano será o sexto arraiá do Monobloco, mas, pela primeira vez, toda a bateria do grupo estará presente. Para Celso Alvim, maestro do bloco há 17 anos, a junção da festa profana do carnaval com a festa sagrada do São João é um reflexo do crescimento e da organização da folia de rua.
— Nós colocamos ênfase nos ritmos que fazem parte da festa junina, o baião, o xote e a quadrilha — destaca Alvim.
A apresentação do Amigos da Onça e do Forró do Kiko aconteceu em meio a bandeirinhas, barracas com comidas típicas e brincadeiras como corrida da colher e correio do amor.
— Todos os músicos do bloco adoram uma folia. Para mim, quanto mais típica a festa junina, melhor. Nosso grupo gosta de ver todos caracterizados, para curtir o verdadeiro clima da celebração — diz Gabriel Gabriel, um dos fundadores do Amigos da Onça.
Para o sanfoneiro Kiko Horta, a mistura é algo natural, já que o brasileiro está conectado ao espírito das festas de rua. E, para ele, falta o Rio de Janeiro criar um circuito autêntico de festas juninas.
— Eu também sou do Cordão do Boitatá, e lá sempre acompanhamos o ciclo de festas populares. Primeiro, tem o carnaval; depois, o São João, e, no fim, o Natal. É o calendário religioso e musical do Brasil — explica Kiko.
O Gigantes da Lira pretende reforçar a cultura das festas juninas, seus ritmos, danças, brincadeiras e comidas típicas, embalando tudo na linguagem circense, um ingrediente da essência do bloco. A clássica formação musical de sanfona, triângulo, pandeiro e zabumba será acrescida de trombone, trompete, contrabaixo e caixa, criando sonoridades especiais para o clássico repertório junino. Haverá ainda um cortejo de atores, com pernas de pau, caracterizados como réplicas das imagens dos santos Antônio, João e Pedro.
— De certa forma, o carnaval e a festa junina têm elementos semelhantes, como a maquiagem e a caracterização. Nós estamos vivendo um momento difícil no Brasil, e a festa junina permite que as pessoas confraternizem. Elas podem dançar, brincar e até comer juntas, a ideia de coletividade é muito importante — explica Yeda Dantas, diretora do Gigantes da Lira, que é paraibana e diz que cresceu em meio ao carnaval e das festas de São João.
O bloco Tome Conta de Mim surgiu no fim do ano passado, mas arrastou mais de duas mil pessoas no seu desfile de estreia. É formado por amigos de pós-graduação do psicólogo Joaquim Leães de Castro, que defende a mistura das festas como símbolo da miscigenação brasileira.
— No Rio, se alguém quiser dançar forró, quase não tem opções. É importante preencher essa demanda cultural — diz Castro.
Principal polo nordestino no Rio, a Feira de São Cristóvão, palco de quadrilhas tradicionais nesta época do ano, se rendeu à nova tendência. Mas com ressalvas.
— Festas juninas estão cada vez mais populares, e o Fogo e Paixão respeita a tradição junina, o que é muito importante — ressalta Marabá da Feira, diretor cultural do espaço há 15 anos.
Até a primeira festa junina da Catedral Metropolitana do Rio, nos dias 1º e 2 de julho, vai ter um pezinho no samba. O Arraiá da Catedral, que acontece no estacionamento da igreja, celebra Santo Antônio, São Pedro e São João com o sertanejo universitário da cantora Yanna, o forró dos grupos Papa Goiaba e No Compasso do Forró, show do padre Omar e o samba de Leandro D’Mennor.
— As festas juninas são oportunidades importantes de união e troca de experiências entre as pessoas — antecipa o padre Omar, que, além de cantar samba, é reitor do Santuário Cristo Redentor e pároco da Paróquia de São José, na Lagoa, que também terá seu arraial, entre os dias 14 e 16 de julho. — O samba é um dos mais importantes movimentos culturais do Brasil. A relação entre fé católica e musicalidade brasileira é a oportunidade para o crescimento da cultura do encontro, do diálogo e da paz.
Apesar da invasão do samba nos arraiais, a tradição também resiste. Uma das principais características do festejo, as quadrilhas — que tiveram sua origem em Paris, como uma dança de salão da elite europeia, e acabaram vindo parar no país durante o Brasil Colônia — fazem sucesso. Hoje, o bailado, uma caricatura da dança original, conquistou Douglas Amaral, de 37 anos, ainda na adolescência. Ele começou a dançar quadrilha em 1995, em São João de Meriti. Três anos depois, conheceu Luiza Soares, com quem se casou, dançando. Quando o filho do casal nasceu, eles optaram por se afastar das festas juninas para se dedicar ao pequeno. Mas a paixão pela tradição foi maior e eles decidiram montar uma quadrilha infantil, em 2005. O sucesso foi tão grande e eles logo começaram a colecionar convites para se apresentar. Em 2007, dançaram na Feira de São Cristóvão. Depois, foram intimados a ser o grupo oficial da feira, a Quadrilha Gonzagão.
— O que torna essa tradição arrebatadora é ser uma dança simples, mas que pode acontecer até de maneira profissional, disputando campeonatos. Nós não discriminamos ninguém — resume Douglas Amaral, que, pela primeira vez, levou o Rio de Janeiro, através da Gonzagão, ao Campeonato Nacional de Quadrilhas da Confebraq (Confederação Brasileira de Entidades Juninas), em Belém, no Pará.
A religião também tem vez na dança. A Quadrilha Junina Santa Rita, da Paróquia Santa Rita de Cássia, em Campo Grande, evangeliza por meio das festas juninas. O grupo, que reúne 30 pessoas, entre 5 e 31 anos, se apresentará na Catedral do Rio no dia 1º de julho. O tema será o Jubileu dos 300 anos da aparição da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Crianças e adolescentes usarão vestes que lembram a imagem da santa.
— Até as quadrilhas profissionais têm convidado a gente para se apresentar, isso é incrível, conseguimos evangelizar através da dança. Na maioria das vezes, dançamos em condomínios. Mas, este sábado, também nos apresentamos em Aparecida do Norte — conta Rodrigo Gonçalves, de 30 anos, presidente da Quadrilha Junina Santa Rita.
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